• Teotonio Simoes
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Bio:

Teotonio por ele mesmo — Nasci em Dois Córregos, interior do Estado de São Paulo, no ano da graça de 1944.

Em 1948, minha família mudou-se para Paulicéia, barrancas do Rio Paraná, que recém iniciava. Tinha só uma casa de tijolo, por isso o dono era chamado de “Mané Tijolo”. Meu pai tinha a única loja de tecidos da região, pelo que isso vale... Uma noite, altas horas, bateram à porta. Homens barbudos e uns índios. Eram os Vilas Boas com um bando de índios querendo fazer compras. Foi a maior venda que meu pai fez durante os dois anos que ficamos por lá.

Em 1950, voltamos para Dois Córregos. Daí fomos para Jaú e tive meu primeiro emprego: cuidar de uma loja de móveis que meu pai montara ao lado da de tecidos e miudezas, á Rua Major Prado, pertinho do “Jardim de baixo”. Matricularam-me no Jardim da Infância do Grupo Escolar Rodrigues Lopes: fui expulso e só voltei à escola seis meses depois dos outros, só porque nasci em agosto. Se houvesse nascido até junho, poderia ter começado meus estudos regulares antes. Dá para entender? Normas legais!

No ano em que Getúlio morreu, voltamos para Dois Córregos. Fui morar num sítio que meu pai herdara (60 alqueires). Tinha horta, nascentes, terreiro, árvores, bambuzal, tudo o que eu tinha direito para ter uma boa infância no mato. Fiz até uma cabana no alto de um Jambeiro. Trabalhos: recolher grãos de café sob as árvores, virar café no terreiro, alimentar porcos... e brincar. Mas tinha inconvenientes: a escola ficava a 6 quilômetros e muitas vezes o caminho era feito a pé, sempre que meu pai não podia levar. Mais vezes do que eu gostaria. Ah! E a luz, de gerador, era desligada às 9 horas, depois das novelas da Nacional. Para ler, e eu já lia furiosamente, à luz de velas. Meu pai logo descobriu que a vocação rural não se transmitia geneticamente: para não quebrar, vendeu o sítio e mudamos para a cidade.

Cursei meus dois últimos anos de Grupo Escolar e os dois primeiros de ginásio em Dois Córregos. Sorte minha. O Ginásio era novo e os professores, concursados, recém formados pela USP, em início de carreira e com todo o gás. Puxado, muito puxado. Seis era dez. E os professores reprovavam.

De Dois Córregos, mudamos para Campinas. Meu pai comprou uma mercearia à Rua Barão de Jaguara e tivemos de, na impossibilidade de transferência para Ginásio Estadual, nos contentar, meu pai e eu, com o Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, dos Salesianos. Azar e sorte nossa. Azar do meu pai: era pago. Azares meus: não tinha meninas, tinha filas, orações antes do início das aulas, silêncio absoluto e vigiado, carimbinho na caderneta aos domingos após a missa obrigatória. No primeiro dia de aula, ganhei uma advertência na minha porque, antes da chegada do professor, me atrevi a tentar puxar conversa com os novos colegas. Falei sozinho. E o Colégio tinha presidiários, por nome internos, que apresentavam a oportunidade de bons negócios com contrabando de cigarro... e meu pai, afinal, tinha uma mercearia onde se vendiam cigarros! Sorte minha: dois anos de latim para valer, latim de seminário. Vingança: proporcionamos ao Liceu a primeira greve de uma classe em 60 anos, exatamente no ano em que os comemorava. Motivo? Simples rebeldia. Mas logo se livraram de mim e eu deles.

Concluído o Ginásio, com direito a medalhinhas, apesar de tudo, voltei ao paraíso das Escolas Públicas, ingressando no Culto à Ciência. Claro que estou falando de um tempo “antes da Queda”, antes dos poderes públicos terem expulso o saber das escolas públicas e colocado às suas portas os dizeres que Dante colocou ás portas do inferno. Na época, trabalhei como vendedor de livros, coleções encadernadas, na Editora Marcos. Nas férias, viajava por todo o Estado de São Paulo e sul de Minas, em uma Kombi abarrotada de livros, com direito a motorista, eu mais dois vendedores. Uma farra! Durante o período letivo, fazia a praça de Campinas e cidades vizinhas. Cansei.

Tive então meu primeiro emprego de escritório. Como datilógrafo e “faz tudo”, trabalhei em um sebo, do Panadés, uma criatura interessante, que tinha um plano para a paz mundial que mandara imprimir por conta própria e distribuía a todos que o quisessem pegar. Maluco? Não, um dos primeiros sonhadores que encontrei, de uma série de muitos, antes de sonhar sequer que viraria um destes “loucos de fim de vida”.

Depois, no escritório da Associação dos Trabalhadores do DER, no Sindicato dos Eletricitários e, finalmente, no “Escritório Parlamentar de Luciano Lepera”, depois “Escritório de Advocacia do Marco Antônio Moro”, fachadas para o Comitê Municipal e Zonal do PCB. Mas, então, já era revolucionário “profissional”, recebendo salário mínimo para realizar o sonho de um Brasil socialista, em tempo integral. Fazia política estudantil e sindical.

Queria estudar Matemática: mas o curso disponível em Campinas, na PUC, era vespertino. Não dava. Ia eu deixando de lado cursar uma Faculdade, eis quando me encontro com o Borges, poeta então, juiz aposentado hoje (espero que poeta sempre), que ia se inscrever para o vestibular de Direito. No convite e no embalo, me inscrevi também. Entrei.

O golpe de 64 pegou-me no segundo ano, primeiro secretário do Comitê Municipal do PCB, suplente do Zonal, membro do Estadual e da “fração da UEE”. Coisas absolutamente incompatíveis. Segui à risca as recomendações do CC que, em seu primeiro documento após os idos de março, em que iniciava dizendo, ridiculamente, que o golpe tinha sido “como um raio em céu azul”, recomendava o “recuo organizado”: dei no pé. Mais não fora porque alguns colegas de turma, até monarquista um, amigos todos, me deram um aviso prévio: “os homens estão atrás de você”.

Depois de me mocozear pelo interior, escondi-me no melhor lugar para um “fora de lei” se esconder: São Paulo. Cheguei, recomendado pelo Álvaro Irajá aos Abramos.

Depois de uns tempos morando de favor em uma república na Avanhandava, compartilhando uma quitinhete na Maria Antônia, o Comitê Estadual, que se reorganizava, recomendou-me pouso mais estável. Foram tempos de Rua Rocha, no Bexiga, de bater à casa dos amigos na hora do almoço, de dar “assistência” ao Comitê Municipal de Osasco e à OB da Filosofia.

Cansei de bater à porta dos amigos e companheiros às refeições. Queria voltar “à produção”. Mas, por precaução, me disseram, nada de registro em carteira. Depois de ser reprovado em alguns testes de datilografia (folha em branco, examinadora cronometrando), graças á indicação de um companheiro de Barueri fui ser apontador de construção civil, na Walid-Yazigi, que construía prédio na Rua Vergueiro, ao lado do Quartel, o Condomínio Vergueiro: ainda está de pé... Foi uma época de até experimentar churrasquinho de incautos gatos, farinha, entremeando estes repastos com visitas á biblioteca Mario de Andrade à noite, reuniões sobre reuniões, dormir tarde, acordar madrugando. No meio de uma reunião da base da Filosofia, golfei sangue. Clemente Ferreira, saco de comprimidos, receita de injeções... volta ao lar paterno. Comprimidos de mais, injeções de mais: intoxicação medicamentosa. Quase fui, não da doença, dos remédios. Sobrevivi. Em 1966, estava pronto para prestar vestibular. Não me via “fazendo foro”, mas adquirira o gosto por TGE, Filosofia do Direito, estas coisas... Prestei vestibular para Ciências Sociais e Estudos Orientais (Hebraico). Entrei. Cursei pouco, passando, politiquei muito, dissidindo. Morei no Crusp, em tempos de “Guerra das Panelas”. Casei, mudei, virei pai. Comecei a trabalhar em Propaganda.

Em 1968, contra a ocupação, ocupei. Descasei. Em meio à “ocupação”, viajei para o Festival da Juventude em Sofia, Bulgária. Contato com a contra-cultura, com todas as dissidências do mundo. Repressão em manifestação “não consentida” frente à embaixada dos EE.UU.. Troncudos e truculentos operários socialistas, carregando bandeiras, cantando a Internacional e chutando jovens imberbes que faziam “sit in”, ingenuamente. Dia seguinte, nenhuma linha na imprensa oficial. Os bonzinhos foram para a Pátria Mãe. Fui para a Tchecoslováquia. Estava por lá uma semana antes da “libertação”.

Paris depois de Maio, antes de Agosto. Carnaby Street em Londres. Volta ao Brasil e à Maria Antônia em tempo de presenciar “Guerra de Ovos” e “desocupação”. Ciências Sociais foi para os “barracões”. Não fui.

Só voltei à Faculdade dois anos depois, para terminar, em um ano, à noite, o Curso interrompido. Fiz Licenciatura, dois anos de História. Inscrevi-me no Mestrado. Recasei. Comecei a dar aulas na então Faculdade de Filosofia de Presidente Prudente, Política e... EPB. Continuava trabalhando em Propaganda. Militando sempre. Fundada a Unesp, dispensaram-me.

Cheguei a prestar concurso para dar aulas em Marília. Passei... mas perderam meu “processo”. Em vez de “montar novo processo”, preferi publicar nos jornais locais um anúncio de “Procura-se um Processo”, mas ele nunca foi encontrado.

Dei então aulas na Sociologia e Política, na ESPM, na PUC, na ECA. E trabalhava em Propaganda. Fiz meu doutorado em Ciências Políticas, para tirar cismas.

O Collor e Dna. Zélia me pegaram com sete (conta de mentiroso!) empresas na área de comunicação, de classificados a fotolito. Fui mais esperto que eles: desisti. Peguei meu fax, computador e comecei a trabalhar em casa. E dava aulas. Deu para sobreviver e salvar algum da sanha confiscatória. Alguns clientes acreditaram, outros não. E dei aulas... até 1990, por aí, quando resolvi me aposentar por conta própria e só fazer o que me desse na telha. Daria? Está dando...

Tem mais, muito mais, mas já não está bom?”

No Jornaleco [www.jornaleco.com] em 25.09.2002


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